Publicado originalmente na primeira edição da revista Vai e Vem.
Toda a temática de Meu Pai, Eterno Amigo (Harry & Son, 1984) se desenha já na sequência dos créditos iniciais. A câmera nos situa em um cômodo escuro, no interior de um edifício ruinoso em vias de sua demolição. A luz explode de repente, quando uma bola de demolição oblitera as paredes. Harry Keach (Paul Newman), veterano da construção civil e recém-viúvo, nos é apresentado do interior da cabine do guindaste, operando o calmo movimento da esfera de aço.
O filme constrói um olhar preciso para a desmesura entre os edifícios e máquinas agigantadas, de um lado, e a fragilidade humana rodeada por escombros, de outro. O conjunto dos elementos sugere sempre a onipresente sensação de desastre iminente. O mesmo fora feito já nas cenas que envolviam o trabalho do corte de madeira em Uma lição para não esquecer (1971), também dirigido e estrelado por Newman. As enormes toras de madeira, quando içadas por máquinas avassaladoras que apequenam os seus operadores, resultam em imagens em que se insinua sempre a ameaça latente da catástrofe.
Repentinamente acometido de uma doença que o leva à demissão, Harry deve lutar não apenas contra a própria obsolescência, implacavelmente declarada pelo mercado de trabalho, mas também contra o desagregamento do que resta de sua família, em ruínas desde o falecimento da esposa Jenny. Enquanto se esforça por manter o seu status de trabalhador produtivo, o seu filho Howard (Robby Benson) resiste como desajustado, perseguindo a sua vocação como escritor nos interstícios de postos de emprego mal sucedidos.
Pai e filho, Harry & Son, encerram, no seu mútuo desencontro, todo o circuito da sociedade civil norte-americana. Contra o discurso da invasão dos bárbaros, que busca explicar a crise dos valores tradicionais pela presença insidiosa de uma ameaça externa, o título original do filme é um primeiro indício de que as causas da crise da família são na verdade bastante familiares. Convertida em sociedade anônima, ela assume os contornos da lógica empresarial. De Howard se exige a renúncia às aspirações pessoais e o cumprimento do papel enquanto elo da cadeia produtiva; de Harry é cobrado não apenas o ressarcimento dos danos e prejuízos causados pela perda da mãe, mas igualmente a prestação de contas de seu próprio envelhecimento. São motivos econômicos que levam, por exemplo, Sally (Judith Ivey), irmã de Howard, assim como o seu marido Andy (Robert Goodman), a um almoço familiar na casa do pai. A ela interessa se apoderar de uma porcelana da família. Ao marido, por sua vez, aproveitar a janela de oportunidades oferecida pela doença de Harry, de modo a convencê-lo da necessidade de um seguro de vida.
A morte de Harry, quando chega finalmente, não aparece como tragédia, e menos ainda como oportunidade econômica. A cena é, com efeito, desprovida de qualquer excesso dramático. Sem trilha musical, um único acorde inicial não faz mais que demarcar a certeza do ocorrido, para logo ceder lugar ao som das ondas e do vento. A morte é transfigurada e se torna a revivificação utópica daquela esperança por uma vida autêntica, manifesta em Howard e na família por ele repentinamente forjada. É por certo o nascimento do filho de sua companheira, Ellen Barkin (Katie Wilowski), o ponto de virada que inaugura um novo momento no filme, distante da cidade, do trabalho e das máquinas.
Buscando sempre trazer à luz o elã espiritual que coliga os sujeitos humanos, Newman se atenta não apenas ao trabalho com o método e com a direção de atores, cuja excelência resulta de sua carreira formidável como ator. Ele dirige o seu olhar igualmente às coisas, à mediação das máquinas e monstros de aço, à ameaça sempre reposta de que, em meio às ruínas, seja da natureza em frangalhos, seja das montanhas entulhadas de ferro e concreto, enrijeça-se por definitivo aquele fluxo vital que cada uma de suas obras se esforçou por conservar.